segunda-feira, 3 de outubro de 2011

COMENTÁRIOS DE SANDRA DE PLATAFORMA

Olá Lúcia! Adorei o seu blog!!! Ao fazer a leitura senti uma emoção muito grande e foi como se reavivasse em mim cenas da minha vida que estavam esquecidas no âmago do meu ser. Muito bom!!!! Um grande abraço, Sandra ( do subúrbio também, só que de Plataforma ) Ok!!
A nossa memória é o que temos de mais precioso, já que ela nos faz dar sentido às coisas. Sem memória não significamos, não mudamos sequer a realidade. Não vemos o que fomos e onde chegamos e, por conseguinte, perdemos a dimensão de futuro.

A memória também é a nossa área de recreação. Nos divertimos com ela, sorrimos, mas também nos emociona, nos faz sentir saudades. Sinto falta das águas cristalinas da praia de Itacaranha, hoje suja e completamente decadente. A vizinhança cordial, as crianças sem malícia acintosa, os adolescentes inventivos, os jovens com sede de viver. Os idosos respeitados como lideranças comunitárias e não menosprezados e envergonhados com tantas ofensas a imorredoura ancestralidade.

Eu não gostava de Itacaranha quando jovem porque ela representava um entrave às minhas ambições: de estudar, de profissionalizar-me, de conhecer o mundo. A Itaracaranha a qual me refiro é a que está na minha memória e não existe mais. Ela só poderia ser sentida em sua plenitude, paradoxalmente, afastada dela, como um lugar mítico, no passado, deliciosamente bom, acolhedor de se visitar. Itacaranha era o lugar que toda criança deveria estar.

JORNALISMO POPULAR

Hoje em dia tem-se falado em popularização da ciência, democratização disso e daquilo outro, mas em Itacaranha, dos anos 70, um grupo de jovens resolveu fazer um jornal de crítica, porém bem humorado, bem ao gosto dos seus organizadores.

Por acaso, encontramos um exemplar, cuja capa foi digitalizada e divulgada na postagem anterior. Alguém se lembra desse jornal? Quem nunca ouviu falar em seus redatores?

Eu era muito jovem, 14 aninhos, nem tinha dançado a valsa de 15 anos, quando este jornal circulou em Itacaranha. Havia uma quantidade limitada de tiragens, mas seus mentores deram um exemplo de como se desenvolve uma atividade comunitária com base na informação e na interação, ainda que tecnicamente artesanal. O jornal era datilografado, diagramado e desenhado sem qualquer recurso sofisticado, a não ser os dedos das mãos, e para não dizer que era de todo artesanal, havia a presença de uma Remington de segunda, quiçá décima mão, e o famoso mimeógrafo (alguém se lembra dele?).

Mas o jornal também se tornou um laboratório para aqueles que tinham a veia jornalística mais aflorada, como é o caso de Adilson Fonseca, que se tornou jornalista mais tarde.  Porém antes disso, "Dico", como era popularmente conhecido, contribuiu para uma formação política dos leitores, juntamente com Renê de Oliveira, Luiz Carlos Fonseca e Hiran Coutinho, na medida em que fez circular, no bairro, informações referentes às questões do subúrbio (outras mundiais, nacionais), que, na época, muito mais que hoje, era completamente esquecido pelos jornais vultuosos.

O Clarim, metáfora da alta voz, falava das coisas que aconteciam em Itacaranha e que nem sempre saiam nas páginas dos jornais e na TV. Era o atual facebook (guardando as devidas proporções), orkut, torpedo numa época em que a ditadura estava em seu declínio, mas ainda pairava no ar a censura. O Clarim, que rima com Pasquim, tinha um pouco do deboche, do pastiche, da ironia, numa crítica inteligente à conjuntura, feita por jovens suburbanos esclarecidos que estavam antenados com as questões sociais e políticas da época.

O CLARIM - JORNAL DE ITACARANHA

domingo, 5 de dezembro de 2010

ITACARANHA "DE CIMA"

Nos mudamos para a Rua Rio Madeira, 19-E, Itacaranha, mais precisamente numa encruzilhada. A nossa casa ficava de esquina com a Rua Sergi Mirim, que dava no Colégio Clériston Andrade onde estudei da 4ª a 6ª série. A casa era ampla, maior do que a que tínhamos na Rua da Estação. Além de tudo tinha um número, 19-E. :D. A rua não era asfaltada, era uma estrada de cor clara, pois predominava um solo arenoso. Andávamos sempre descalças, o que era maravilhoso. Só fui usar sandálias, obrigatoriamente, por causa do asfalto, muitos anos depois.

A casa era toda cercada por varanda feita de telha de eternit, mas o telhado da casa era feito de telhas de cerâmica (depois do trauma, minha mãe não queria ouvir falar das telhas de eternit). A área da varanda era cimentada, com cimento vermelho, com aproximadamente 2m de largura. O quintal era murado e não era plano. Era aberto, sem plantas, árvores e por isso fazia muito calor. Lembro-me dos dias ensolarados, do calor vindo daquele chão arenoso logo quando fomos morar lá. Ainda bem que meus pais escolheram um dia assim para mudança.

Era uma linda casa!

A casa ficava em frente a um campo de futebol que margeava com uma lagoa, chamada de Lagoa Dourada. Era uma lagoa mágica de onde nasciam capins. Não entendia como da água nascia capim. Ouvíamos sapos coaxarem e grilos a criquilar sempre quando, à noite, íamos brincar de "cabana" ou "coelhinho sai da toca", brincadeiras de correr, parecido com picula, mas com direito a posse daquele que se pega, confinado a uma "cabana" ou "toca".

Lá faltava muita energia e água também. Por isso, meu pai pediu para fazer uma "fonte" que, diferentemente da casa da Rua da Estação, tinha água de qualidade. Algumas pessoas, vizinhas e amigas, iam pegar água lá em casa. Com o tempo, fomos plantando e muitas árvores floresceram naquele quintal, mas sobre elas dedicarei uma postagem especial. Quando "faltava luz", brincávamos de fazer sombra na parede com os "fifós" acesos à base de querosene. Meu pai contava estórias de assombração.

A ponte MMMMMMMMMMMMMM

A ponte não ficava exatamente em Itacaranha, mas entre Plataforma e os Alagados, mas é impossível não se lembrar da ponte "MMM", por onde os trens passavam com destino a Estação da Calçada. A ponte "MMM" (lê-se: mêmêmê) era assim chamada por nós porque tinha a forma da letra "M" e toda a vez que o trem passava por ela, fazia um eco que parecia pronunciar a letra "mê" ininterruptamente. Era como se a ponte falasse, com uma voz grave e ecoante.

Assim que o trem começava a cruzar a ponte, ouvia o primeiro eco, ritmado e retumbante pronunciando "mêmêmêmêmêmê". Era tão divertido que também pronunciava baixinho, seguindo o mesmo ritmo, o som emitido. Às vezes falava baixinho pra ninguém ouvir, outras vezes, caso estivesse com as minhas irmãs, falava alto, alegremente. Criança sempre se diverte com coisas aparentemente banais para os adultos.

O poço de óleo



Uma das coisas inesquecíveis naquela ida a estação do trem era um quadrante cheio de óleo sobre o qual os trilhos do trem passavam. Muitas pessoas, para não pagarem a passagem, se arriscavam a passar por cima dos estreitos trilhos, embora não soubéssemos a profundidade daquele "poço". Na minha imaginação, funcionava como uma "areia movediça" (como nos filmes de Tarzan), e que, uma vez caindo naquele óleo, não sairia mais. Eu não me lembro de ter passado por ali, em busca de alguma aventura, mas me lembro do tamanho do quadrante (na minha imaginação de menina, era grande) e de sua textura. Era oleoso, escuro e sujo, qualquer coisa misteriosa e perigosa que, naturalmente, só poderia aguçar a minha imaginação.

O Chafariz

Havia um chafariz próximo à nossa casa. Lembro-me que íamos cedo, antes de meu pai se aprontar para o trabalho. As lembranças me trazem imagens de muitas mulheres com crianças, conversas, barulho da água caindo forte dentro das vasilhas e a minha preocupação com o desperdício, pois não havia torneira, a água era corrente, havia apenas uma canalização para que não se espalhasse. Era uma disputa para quem colocava primeiro, pois a visão que tenho é de latas (de galão de tinta) velhas, com uma madeira entre uma extremidade e outra, entrechocando-se. A água era limpa, cristalina. As mulheres enrolavam as rodilhas de pano e colocavam na cabeça. Observava com que força descomunal levantavam uma lata daquele tamanho na altura da cabeça, todos os dias. Meu pai fazia isso, e aquelas mulheres faziam o que meu pai fazia. Eu tinha uma vasilha pequena mas meu pai nos levava assim mesmo. Eu não sei se a minha irmã mais velha se lembra destes momentos. A verdade é que não fui muitas vezes lá.