domingo, 12 de janeiro de 2014

Infância e adolescência no subúrbio

Eu costumo dizer que meninos e meninas não vivenciam uma mesma situação do mesmo jeito, pois a cultura de gênero acaba orientando as sensibilidades.
 
É claro que meninos e meninas iam à praia, mas a maneira de viver aquele espaço dependia muito da cultura de gênero. Quando se é criança, essas culturas começam a ser definidas, mas é na adolescência que o rito se torna mais diferenciado e talvez isso leve ao que chamamos de "crise na/da adolescência": saber que as fronteiras estão cada vez mais nítidas e separadas.
 
Mas vamos aos ritos: quando era criança brincava de tudo, não havia tanta distinção de gênero, até porque não tínhamos irmão. Éramos 4 meninas. Tal como a música Teco-Teco, interpretada por Gal Costa, com a exceção da cantoria afinada, a nossa brincadeira consistia em subir em árvore, brincar de picula, de "se esconder", confeccionar e empinar arraia (temperávamos a linha), ir à praia, pular corda, enfim eram brincadeiras bem dinâmicas que envolviam espacialidade e motilidade. As bonecas só começaram a fazer parte (coincidentemente ou não) depois da chegada da televisão.
 
Na adolescência, depois dos 14 anos, deixei de brincar com os meninos (o que fazíamos costumeiramente), já estava me preparando para debutar. Tive direito à valsa de 15 anos e a dançar com 15 rapazes.
 
Costumo dizer que, para mim, naqueles anos, o subúrbio era ideal para uma criança, mas para uma adolescente ou um adolescente era terrível porque as oportunidades de desenvolvimento eram muito poucas. Refiro-me especialmente às oportunidades de estudo e de trabalho. Lembro-me que os rapazes começavam a trabalhar ajudando no negócio familiar, em geral mercearias, "vendas" ou atuando  no setor rodoviário ou militar. Para as meninas, as chances eram mais remotas ainda, pois, em geral, quase todas tinham como única opção o casamento e se tornavam, quase sempre, donas de casa.

É importante ressaltar que muitas mulheres ajudavam os maridos no pequeno comércio, isso quando não eram donas do próprio negócio.
 
Entre os 12 e 18 anos, estudei no Clériston Andrade e no João Florêncio Gomes, portanto boa parte da minha vida foi escolar, mas, nos finais de semana, tinha muito movimento durante o dia, com os jogos no campo da Lagoa Dourada. À noite, fazíamos festas, tipo discoteca, e reuníamos muita gente, mas como o espaço da nossa varanda não cabia todo mundo, muitos ficavam do lado de fora. Um amigo de nome Brás, uma pessoa extraordinária e muito centrada, organizava e servia como mediador. Entrar nesta festa era o início de uma amizade e foi assim com Oliveira que, mais tarde, fez parte de nossa quadrilha junina.
 
No Domingo, era dia de praia e descíamos cedo para termos mais chances de escolher um bom lugar. Era sempre divertido ir à praia de Itacaranha. Quando era meninota, duas rodas de trator faziam parte da paisagem da praia e quando a maré estava bem alta dava para saltar de cima delas.
 
Já durante as férias, íamos para a casa de parentes e quando não era possível intensificávamos o que vivíamos nos finais de semana e, claro, conversávamos muito sobre namoro, afinal, sem os amores, a adolescência não seria uma adolescência. Sobre este assunto, falarei mais tarde em outra postagem.
 
Falávamos de namoro e também namorávamos. Devo salientar que faço parte do que se convencionava chamar de "moça de família", o que me colocava já em uma posição nas relações sociais e indiretamente em conflito com as que eram consideradas, por pura convenção, como meninas mais descoladas (para citar um termo mais atual). Naqueles anos, dizia-se que eram meninas mais "atiçadas" e era óbvio que se perguntássemos a essas meninas se elas se viam assim, certamente diriam que não, mas o rótulo, ambos os rótulos, eram terríveis. 
 
Em Itacaranha, não tinha clubes, espaços de lazer institucionalizado, por isso íamos para o Flamenguinho, um clube que ficava em Periperi. Os carnavais neste espaço eram simplesmente inesquecíveis. As músicas, as serpentinas, os confetes, as pessoas (destaque para uma senhorinha de aproximadamente 70 anos que todo ano estava lá e brincava sozinha no meio de todos os adolescentes e jovens. Ninguém a espremia, havia ainda educação e respeito aos mais velhos, por isso ao longo de muitos anos a víamos por lá, com passinhos lentos e bracinho pra cima, dando voltas no salão). Havia ainda o "baile do mela-mela" no turno vespertino que era divertidíssimo, não apenas pela sujeira e o aspecto lúdico, mas porque os rapazes e moças aproveitavam este momento para flertarem, tocando-se, e o espaço do corpo mais "atacado" era o rosto (quando passávamos por perto do rapaz que gostávamos, quase oferecíamos generosamente o rosto para a tinta (rs)) ... É interessante como a sociedade cria ritos que consentem certos gestos que em outro momento e espaço seriam ofensivos. O Flamenguinho era um clube, naqueles anos, familiar. À noite, de menor, só entrava com os pais. Era o nosso caso. Sem dúvida, o Flamenguinho prestou um serviço de lazer com qualidade aos moradores do subúrbio ferroviário naqueles anos. 
Quadrilha Junina (1978), realizada na Rua Rio Madeira, 19-E, Itacaranha.

2 comentários:

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  2. Nossa que delícia de blog... Parabéns, lendo essa historias de vida me remete a um passado bom de quando éramos crianças e que não havia maldade, nem preconceito, nem tão pouco a violência explícita como agora, era um tempo feliz em que brincavamos até altas horas da noite sem nenhuma preocupação, faziamos festa em casa de amigos,era bom demais ir na praia com os amigos e curtir até o sol se por... Estudei no Cleriston Andrade e uma das minha professoras foi Ariedna, confesso que com os métodos dela eu nunca consegui aprender matemática mas não deixou de ser uma boa professora pra mim,Professor Telmo e o professor Elias...e na escola Municipal Professor Lopes conheci a diretora Amélia e a professora mais linda de toda a escola, a doce professora Silvia, A ideia que vc teve de fazer esse blog foi muito boa mesmo acredite que terá muita gente que vai ter muita história pra contar, com certeza vai!!!!

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