quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Professora Edna

A professora Edna Cardoso foi a nossa primeira professora de Itacaranha. Assim que chegamos, minha mãe quis saber logo onde ficava a escola mais próxima. A única naquele momento ficava nos fundos de uma casa e tinha oito alunos aproximadamente. Estudávamos em uma mesa de madeira grande e sentávamos em bancos longos. A professora Edna era muito boa, simpática, mas os nossos colegas eram muito cruéis. O bullying, que é tão falado hoje, era muito praticado nas escolas e como nós éramos menores e menos descoladas do que os alunos maiores, éramos sempre vítimas de alguma ardilosidade.

Ainda hoje tenho o classificador de atividades feitas nesta escola que se chamava Escola Ruy Barbosa que guardo com muito carinho.

O Vendaval

Seria um dia como outro qualquer. Tinha ido para escola, mas ainda era cedo para aquele céu tão cinzento. Começou a ventar muito forte e as nuvens a ficar mais escuras, a tal ponto de acharmos que já era tarde. A escola nos liberou logo porque temia pelo nosso retorno à casa, pois já previam que uma forte chuva estava a caminho.

Durante o recreio, lembro-me do vento no meu rosto e fazia o meu cabelo esvoaçar. Gostava daquela sensação de frescor, sem qualquer dimensão de perigo.

Em casa, vivemos momentos difíceis, pois o vento continuava forte e a chuva começava a cair. Víamos relâpagos e ouvíamos as trovoadas. Parecia que o mundo ia se acabar. Neste dia, meu pai chegou bem tarde, pois ele vinha de trem e em dias de chuva sempre atrasava. O vento não dava trégua e começamos a ver a sua fúria. As telhas da nossa casa (de eternit) voavam como se fossem de papelão. Todo os dois quartos ficaram inteiramente descobertos. O telhado da sala começava a querer voar, movimentando-se como se fosse onda, anunciando uma tragédia maior. Corremos para a cozinha e começamos a gritar e a rezar. Depois disso, apenas me lembro de que fomos parar em Dona Gazinha, uma senhora muito simpática que nos acolheu e em sua casa dormimos. Depois disso, não me lembro de mais nada: como voltamos, quanto tempo levou para retelhar a casa, etc.

Casa e Infância

É muito difícil dissociar a casa da nossa memória de infância, portanto de vez em quando voltarei a ela. Aliás, a casa nos acompanha a vida toda. Afinal, além de nos abrigar da chuva e do sol, ela nos protege e nos diverte (quantas vezes brincamos com ela, dentro dela, usando os seus compartimentos, suas paredes, telhados, piso, teto e todas as coisas que fazem parte dela e que também são colocadas nela?). A casa (e a falta dela) faz parte da identidade de qualquer um, pois as pessoas nos localizam, nos dizem quem somos, a partir dela e da nossa relação com ela.

Um dia desses, eu e as minhas irmãs transformamos a cabeceira da cama em cavalo. O seriado Roy Rogers nos fazia imaginar pessoas montadas em um cavalo e como não tínhamos um (só Loloba), colocávamos o travesseira dobrado sobre a cabeceira (que servia de sela) e simulávamos perseguições pelo oeste norte-americano, bem ao estilo texano.

 
Mas a nossa relação com a casa, dava-se muito mais com o seu entorno, com o quintal. Nele, as árvores se transformavam em submarinos (referência ao seriado norte-americano Viagem ao Fundo do Mar) com direito a emissão daquele barulhinho que só quem já assitistiu saberia reproduzir. No seriado, havia dois personagens de destaque:  Major Lee e o Almirante Nelson. Quem era quem na nossa brincadeira? Nós tínhamos como resolver a questão da patente. Como a minha irmã mais velha, Fátima, subia até o "olho" do araçazeiro, acabava ficando com o título de almirante e eu que ficava na metade do caminho recebia a patente de major. Minha irmã Marta era bem pequena e não subia na árvore, fazia o papel de monstro marinho.

Em dias de chuva, saíamos para brincar de colocar barquinho de papel no rego por onde escoava a água da chuva. Era um longo percurso e era muito divertido ver o barco percorrer o caminho em grande velocidade até afundar. Brincar debaixo de chuva é bom demaisssss.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A praia de Itacaranha (parte I)

A praia de Itacaranha, até os anos 80, era paradisíaca. Nos anos 70, havia dois pneus enormes de trator que ficavam na areia da praia. Servia de assento e, quando a maré estava bem alta, dava-se "caída" deles. Era um objeto estranho, não resta dúvida, mas entretia.


Quando a maré estava vazia, eu caminhava pela beira da praia para catar conchas e búzios. O sol dava nas costas, mas nem ligava, pois a distração atenuava qualquer ardor. Em geral, fazia isso pela manhã, cedo. Certa vez, catamos tanto búzios que a minha mãe fez uma cortina de fios plásticos cor de rosa que era atravessava os búzios pelas extremidades. A cortina foi afixada na passagem que ficava entre a sala e a cozinha e quando passávamos fazia um barulhinho delicioso.

A praia era um convite para uma aprendizagem de formas, cores e cheiros. As pedras, conchas, búzios tinham formas e cores diferentes e eram ora bonitas ora estranhas. A maré, por zua vez, exalava um odor que frequentemente chamávamos de "maresia". Era um cheiro que sentia de manhã cedo e nos convidava para um mergulho. Era simplesmente maravilhoso, mágico, irmos à praia de manhã cedo. Um sol matinal começava a dourar as águas e ao som da marola, nos divertíamos. Posso ouvir ainda hoje o som suave, contínuo e ritmado das ondas quando espalhavam-se na areia. Em geral, durante a semana, não havia pessoas na praia. Eventualmente um pescador ou um ou dois grupos de pessoas com crianças. De dentro d'água, víamos o trem passar. Olhávamos sempre. O trem era sempre um espetáculo à parte e também compunha o cenário daquela orla.

Como esquecer as águas cristalinas de Itacaranha? Como esquecer os cardumes que saltavam e passavam por nós? Como esquecer as águas vivas, as pinaúnas e as caravelas?

A Casa dos Mimos do Céu

Quando íamos para a Escola ou pescar siri sempre contemplávamos uma casa estilo colonial. Tinha janelas grandes, compridas e era de cor vermelho-vinho, sendo que as janelas eram emolduradas por frisos brancos. Além desse aspecto peculiar, ao lado, na área externa, enramando as grades de ferro, os mimos do céu esbanjavam beleza e esplendor róseo. Era uma visão belíssima, inesquecível. Nunca conhecemos seus moradores. A casa sempre estava fechada o que acentuava o mistério. Quem moraria ali?

domingo, 21 de novembro de 2010

Ana Clara, Cristiana e Ana Cristina

Eram três irmãs vizinhas. Elas moravam na rua paralela, onde morava também a professora Edna Cardoso. No entanto, como os nossos quintais se comunicavam por uma cerca mais ou menos aberta, permitíamos que as filhas de Dona Hilma e Seu Geraldo  passassem pelo nosso quintal, pois era mais perto para elas. Mas não era sempre, na verdade era muito raro. 

Elas eram as únicas meninas que moravam perto de nós.

Tenho uma vaga lembrança de Dona Hilma e Seu Geraldo. Lembro-me de que ela era uma morena muito bonita e ele branco muito magro (tanto que as veias ficavam expostas). A sua casa era também terreiro de candomblé. Uma vez fomos convidadas para irmos a uma das festas. Minha mãe nos levou. Algumas imagens, sons e paladares marcaram a minha experiência naquele momento: os atabaques, a dança do orixá (Seu Geraldo dançava de uma forma diferente) e o gosto da pipoca sem sal. Inicialmente fiquei feliz por receber as pipocas, mas quando coloquei na boca, vi que não tinha sal. Olhei para a minha mãe e ela disse que era assim mesmo.

Havia um pé de genipapo cujo tronco servia de cerca entre o nosso quintal e das nossas vizinhas. Sempre catávamos os genipapos que caía no chão. Mas tinha um bonito, inteiro, que estava no quintal das minhas vizinhas e todo mundo sabe que o genipapo do vizinho é sempre o mais gostoso e, por conta disso, entrei. Quando estava saindo me deparei com uma das meninas, não me lembro quem e escondi imediatamente o genipapo atrás das costas. Não me lembro do desfecho, mas a sensação de perigo e de ser flagrada me marcou profundamente.

Lembro-me que Cristiana era a mais vaidosa. Tinha pulseiras finas e douradas que balançavam e faziam um barulhinho. Era a mais extrovertida. No entanto, o nosso contato era muito pouco. A lembrança que tenho delas é de que eram muito alegres, falantes e buscavam amizade. Ana Cristina era a menor e não me lembro muito dela.

Pôr-do-Sol visto da Rua Pipira