domingo, 14 de novembro de 2010

Um mar, uma casa grande e um quintal

Cheguei a Itacaranha com, aproximadamente, 7 anos de idade, talvez antes disso. As atividades escolares da 2ª série (atual 3º ano) datam de 1972. Nasci em 1965, na maternidade Climério de Oliveira, em Salvador, Bahia. Nunca consegui fazer um mapa astral porque, segundo a minha mãe, nasci no horário de verão, o que tornava o mapeamento difícil. Os astros seguiriam as alterações dos homens? Na dúvida, fornecia as duas informações e, naturalmente, dava mais atenção às respostas que mais me interessavam.

A CASA E O QUINTAL

Impossível desvincular as lembranças de minha infância da casa. A casa foi para mim muito mais que uma construção, ela foi a minha própria constituição enquanto sujeito, pois nela se deram as minhas primeiras experiências afetivas, sociais, linguísticas, culturais e artísticas. A casa de Itacaranha "de baixo" (assim nos referíamos para tratar das "duas" Itacaranhas divididas pela Avenida Suburbana (oficialmente chamada de Afrônio Peixoto). A Itacaranha "de baixo" era a que ficava próxima a estação do trem e a "de cima", a que ficava mais próxima da Ilha Amarela, do Colégio Clériston Andrade.

A casa onde morávamos inicialmente ficava na Rua da Estação s/n (esse sem número tinha um efeito estranho, pois as casas tinham um número, mas a nossa não. Seria a casa de Vinicius de Morais? Não tinha número, não tinha nada...?). A nossa não tinha número, mas tinha um quintal (aos nossos pequenos olhos) enorme: a sala e os quartos eram grandes e a cozinha imensa. Tinha uma fonte que, segundo minha mãe, a água não era boa para beber: era "saloba" (não falávamos salobra, a grafia correta segundo a ortografia oficial). Quando queríamos água para beber, íamos até o chafariz, mas meu pai (ou seria a minha mãe?) não deixava que a gente pegasse peso. Íamos com baldes simbólicos, pequenas latas. O meu pai ia com uma lata maior. Depois, de algum tempo (não sei quanto) as coisas melhoraram com a água encanada.

O quintal era cercado por uma planta que chamávamos de "bucha" (ou era bruxa? Não me lembro). Ela dava um fruto que, ao secar, usávamos como bucha para banho (o que hoje se vende a preços escorchantes). Eu não gostava muito porque era muito áspera e arranhava a pele (hoje chamam isso de esfoliação e dizem que é ótimo para a pele). A planta se emaranhava na cerca artificial, feita com pequenos troncos e arame farpado, dando-lhe um aspecto mais fechado. Tinha também um outro mato que ajudava no "fechamento de área". Era uma planta que dava umas frutas amarelas com sementes vermelhas e doces. Tinha forma de balão de São João. A gente chupava e cospia as sementes.

Havia no quintal um pé de araçá, muitas bananeiras, um pé de genipapo, pé de cana (rasgávamos a cana no dente) e muitos canteiros com flores. Dois canteiros eram os preferidos de minha mãe: os que tinham rosas vermelhas, daquelas que vendem em floricultura. No fundo da casa, além das bananeiras e o genipapeiro, havia um galinheiro onde criávamos galinhas, patos e pombos. Estes deixaram de fazer parte da nossa convivência depois de terem sido acusados, por minha mãe, de terem arrancado os parafusos do telhado de eternit, o que teria sido a causa do vôo das telhas em uma das fortes ventanias de novembro. Deixando-nos totalmente sem telhas. Foi uma experiência terrível.

As galinhas eram os nossos bichos de estimação. Ao serem cozidas, não comíamos. A minha mãe, por conta disto, resolveu não criar mais galinhas. Antes da decisão, vale dizer que as galinhas nos davam ovos deliciosos (de quintal mesmo!). As gemas eram bem amarelas, quase cor de abóbora, e quando deixávamos para chocar, escolhíamos os nossos pintos antes de eles nascerem. A minha tia, de nome Celininha, surda e muda, sabia muitas coisas da natureza e nos ensinou a chocar os ovos.

Os patos eram os meus preferidos e sempre os levava para o mar. Eram excelentes mergulhadores. Aprendi a mergulhar com eles, pois têm um ótimo fôlego e, por conta disto, treinava debaixo dágua a minha respiração. Lembro-me de ter ficado 1min o que, na época, era um recorde. Um dia, ao levar para a praia, eles se soltaram de mim (eu os prendia com um cordão - chamado por muitos de barbante - amarrado nas patas) e levei muito tempo para recuperá-los, mas foi divertido ao mesmo tempo que preocupante. O pato não tinha nome. Ele era todo branco e tinha as asas cortadas para que não fugisse. Um dia (provavelmente depois que as asas tornaram a crescer e eu me esqueci de cortá-las novamente. Não era como cabelo de boneca) ele voou e sumiu um tempo. Minha mãe, muito católica, pediu que acendesse uma vela a Santo Antônio. Eu acendi e ele apareceu. Coincidência ou não, devo esta a Santo Antônio.

Fonte:  http://www.flickr.com/photos/suburbioemfoco/2998809707/ (foto)

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